sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Leishmaniose, entender para combater

Diversos mamíferos são susceptíveis de adquirir esta infecção quando picados pelo mosquito palha contaminado: o homem, o cachorro, gambás, ratos, cachorro do mato e outros. O importante é saber que nem todos desenvolverão a doença. Mesmo o homem, quando infectado, poderá desenvolver uma resposta imunológica apropriada e inibir a multiplicação do parasita, tornando-se imune e não infectante. É o que comprovam os inquéritos sorológicos em áreas endêmicas, onde encontramos para cada pessoa doente, até 30 pessoas SADIAS com reação positiva à leishmaniose, ou seja, os mosquitos picam muitas pessoas, mas apenas algumas terão resposta imunológica inadequada e ficarão doentes.

Infelizmente, os mais sujeitos são os desnutridos, as crianças menores de 5 anos, os idosos e aqueles com doença crônica debilitante (AIDS, Câncer), então, se simplesmente não fizermos nada, muitas famílias passarão maus bocados.

Com os cães dá-se a mesma coisa, alguns adoecerão e morrerão, outros estão ou ficarão imunes. Bem, vamos ao que interessa, já temos 23 estados da federação com casos humanos registrados. No ano de 2010 foram notificados 3643 casos, sendo destes, 202 no estado de São Paulo, onde encontramos o vetor (mosquito palha) em pelo menos 44 municípios da região oeste, sendo que a prevalência de cães infectados varia de 2,2 a 10,1%, mostrando que a Leishmaniose circula livremente por aí.

Vejamos como exemplo, como andam os casos da doença humana em Araçatuba (onde o primeiro caso foi notificado em 1999) conforme relatórios disponíveis no Portal da Saúde (www.saude.gov.br) para o período 2000-2009:

Ano

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

Nº casos

30

42

69

78

37

43

5

0

33

18

À primeira vista, parece que as ações desencadeadas reduziram os casos humanos, mas era de se esperar então, que a ressurgimento de fatores locais, fizessem a doença recomeçar devagar. Estranho que ao atingir o sucesso desejado, os infatigáveis companheiros da saúde tivessem "relaxado" e a doença desse um salto de nenhum caso em 2007 para 33 casos em 2008! Entender o que aconteceu lá, pode nos ajudar a não repetir os fiascos por aqui.

Então, conforme orientações do Ministério da Saúde e da Secretaria Estadual de Saúde deve-se tentar controlar a expansão da doença através de identificação e tratamento precoce dos casos humanos, ações de bloqueio na e ao redor da moradia do caso índice (para eliminar a população de mosquitos) e controle dos reservatórios animais através do descarte de animais soropositivos, mas cada uma destas estratégias tem seus pontos positivos e negativos, vejamos:

Estratégia

Fatos favoráveis

Fatos desfavoráveis

Diagnóstico precoce de caso Humano

Quanto mais precoce o tratamento, menor o risco de morte.

O diagnóstico precoce nem sempre é fácil e mesmo feito, nem todos os pacientes alcançarão o sucesso terapêutico.

Ações de Bloqueio (fundamentadas basicamente na aplicação de inseticidas)

Reduzem grandemente a população de mosquitos e, portanto a transmissão da doença.

Agem durante certo período, mas, além dos efeitos adversos sobre o homem, devem ser reaplicados regularmente, sob pena de logo vermo-nos atacados pelos famintos mosquitos.

Descarte do animal positivo

Teoricamente, reduzir a população "reservatório" ajudaria a reduzir a circulação da Leishmaniose nos ambientes urbanos.

Como vimos, há outros animais reservatórios, e o animal soropositivo não necessariamente está doente ou é transmissor.

Com relação ainda à estratégia de descarte dos animais soropositivos temos ainda os fatos:

O animal que era domiciliado é rapidamente substituído, conforme podemos constatar em trabalho apresentado na Revista Brasileira de Medicina Tropical de setembro/outubro de 2007, ora, se o animal soropositivo era imune e, portanto, não transmissor, agora o animal jovem é susceptível, tem grandes chances de se infectar e transformar-se num reservatório rico em Leishmanias.

Some-se a isto o fato de que, embora os mais de 10 anos de eliminação sistemática pelo Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Araçatuba, chegando às cifras em torno de 150.000 animais, não houve diminuição significativa do nº total de cães naquela cidade (atualmente cerca de 34.000), reforçando-se a observação de que o proprietário que tem seu animal apreendido pelo serviço de saúde, logo estará com outro animal em casa.

Quanto à população de animais errantes, representa de 2 a 3% da população total de cães, sua importância provavelmente está nas interações que faz com a população domiciliada, visto ser prática em nossa região, deixar nossos animais "livres", ao menos em alguns momentos do dia, para fazer suas necessidades na via pública, morder alguns transeuntes ou derrubar algum motociclista.

Para nosso castigo, eles também podem trazer alguma doença para dentro de casa: raiva, verminoses, leishmaniose, micoses e por aí a fora. Os errantes não irão servir de repasto para o mosquito palha que está domiciliado em nossa casa e, portanto não estão implicados diretamente na doença humana.

Seria preferível conhecermos o estado de saúde destes cães de rua, porque também aqui, simplesmente eliminando os que estão à nossa volta, abrimos espaço para aqueles que querem entrar na cidade e o ciclo se repete.

Não somos contra ao descarte de animais comprovadamente doentes, mas é preciso estabelecer nova estratégia de ação. Tomem como exemplo Portugal e Espanha. Lá existe alta prevalência de Leishmaniose visceral canina, chegando a 13% em cidades como Lisboa, existe o mosquito transmissor e mesmo assim, os casos humanos são excepcionais. Qual seria a diferença? O melhor estado nutricional da população?, a limpeza do domicilio?, o hábito de não deixar os animais soltos? Provavelmente um pouquinho de cada coisa, não há país ou povo perfeito, em todos os recantos podemos nos deparar com a sujeira, a pobreza ou a falta de conhecimento, mas uma coisa é certa, lá eles consideram viável tratar o animal doente, deixam como opção do proprietário, porque naturalmente demanda tempo e dinheiro, mas eles já tem inúmeros trabalhos comprovando que o animal tratado não é mais infectante e assim ficamos todos tranqüilos.

Também lá orientam muito no sentido da prevenção: prender o animal de 16 às 10 horas, vacinar o animal, usar coleira repelente (Scalibor) e se o proprietário não dispõe de outro horário para passear com seu fiel amigo exceto a noite, então uma proteção adicional borrifando o animal com repelente à base de Citronela.

Fazendo isto e mantendo nosso quintal limpo de matérias orgânicas, dificilmente o mosquito palha irá se estabelecer ao nosso redor!!

Então mãos à obra.

Dr. Fred Lizidatti

Fred Charles Turner Lizidatti, Médico Intensivista, 51 anos, casado, 2 filhas, morando em Santa Fé do Sul há 12 anos.

- Atualmente, médico coordenador e plantonista do Pronto Socorro de Santa Fé do Sul;

- Médico plantonista na UTI da Santa Casa de Fernandópolis (quinzenalmente);
- Também é médico da Secretaria Municipal de Saúde, e Serviço de Vigilância Sanitária;

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