sexta-feira, 12 de junho de 2009

Leishmaniose - Pesquisa e Desenvolvimento

A adequação dos países em desenvolvimento aos chamados "padrões mínimos" estabelecidos pelo acordo Trips da Organização Mundial do Comércio (OMC), assinado em dezembro de 1994, teve como principal argumento a promoção da transferência de tecnologia e desenvolvimento do bem-estar econômico e social. Após 12 anos, grandes constatações vieram corroborar o contrário.

Nunca houve tão pouca transferência de tecnologia, há um enfraquecimento da indústria nacional de produção de medicamentos que vinha contribuindo para fortalecimento do sistema nacional de saúde e os preços dos novos produtos essenciais estão subindo de forma exponencial com a falta de concorrência, imposta pelo monopólio da patente, aumentando o déficit da balança comercial em saúde.

Não há perspectiva nenhuma de novos medicamentos para doenças que sempre foram negligenciadas pela indústria farmacêutica intensiva em pesquisa, e é no âmbito não lucrativo que se encontra a maioria das iniciativas visando novos medicamentos para essas doenças. O relatório da Comissão de Inovação, Propriedade Intelectual e Saúde Pública (CIPIH - www. cipih. int Comission on Intellectual Property, Innovation and Health) , desenvolvido em 2006 no âmbito da Organização Mundial da Saúde (OMS) pelos maiores especialistas da área no mundo foi muito claro. O sistema de patente não funciona como incentivo para desenvolver as ferramentas de saúde necessárias para as doenças que afetam principalmente os países em desenvolvimento.

Evidentemente, como 90% do mercado farmacêutico se encontra nos países desenvolvidos, as multinacionais pesquisam medicamentos que possam alcançar os mercados lucrativos nesses países, deixando doenças como a dengue, LEISHMANIOSE, malária, tuberculose e doença de Chagas nas mãos do setor não comercial. Essas doenças nunca terão o potencial mercado lucrativo que move a agenda de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) das multinacionais, orientado pela busca de "blockbusters" com altíssimo potencial de retorno financeiro sobre investimento. Partindo desta constatação, um grupo intergovernamental de trabalho (chamado IGWG) foi criado em maio de 2006 no âmbito da OMS, com um mandato de dois anos.

Ele tem como missão coletar todas as propostas inovadoras que podem melhorar os incentivos para a P&D de medicamentos e diagnósticos direcionados às necessidades da saúde (e não do mercado, o que é muito diferente), sendo que esses incentivos têm como meta principal a separação clara entre ônus da pesquisa e preço de venda do produto.

Dissociar P&D do preço ao paciente é o grande desafio do IGWG. Propostas incluem pool de patentes, prêmios para a inovação, tratado de P&D, fundos sustentáveis de P&D, envolvimento maior da OMS na definição das verdadeiras prioridades de saúde, além do reforço de mecanismos de tipo "push and pull", que vão desde a garantia antecipada de compras até o direcionamento mais pragmático do dinheiro do fomento.

Uma coisa é certa: nenhum medicamento utilizado no Brasil foi desenvolvido exclusivamente para os países em desenvolvimento. Trata-se sempre de um mercado secundário. Por isso, a licença compulsória de um medicamento como o Efavirenz não muda em nada as prioridades de P&D das empresas multinacionais.

Estas empresas só desenvolvem medicamentos anti-retrovirais porque existe uma epidemia de Aids nos países ricos, onde conseguirão um retorno significativo por meio do preços altos e de sistemas de seguro saúde, que pagam por isso.

A Fundação Clinton está inovando, junto com a recém criada Unitaid, ao garantir mercados bastantes atrativos não apenas para genéricos de medicamentos isolados para aids, como também para novas formulações do tipo "três em um", que são extremamente necessários para os pacientes. Estas formulações, ao contribuírem para a diminuição drástica do número de comprimidos diários e, consequentemente, para o aumento da adesão ao tratamento, são consideradas inovadoras do ponto de vista da saúde pública.

Assistimos, assim, ao surgimento de inovações oriundas do setor de genéricos que são fundamentais do ponto de vista da saúde pública. Vale ressaltar que os primeiros "três em um" foram desenvolvidos pelas indústrias de genéricos que não tinham problemas em associar vários fármacos em um comprimido só. Essas formulações são o pilar da ampliação do acesso a tratamento nos países em desenvolvimento.

A diferença de preço entre uma terapia tríplice produzida em situação de concorrência e em situação de monopólio é simplesmente inaceitável para os países em desenvolvimento.

Mesmo com uma política de preço diferenciado, o custo aumenta em mais de 40 vezes por paciente nos países de renda média (de US$ 130 a US$ 6. 740 por paciente por ano, e em até 12 vezes em países de baixa renda). Se visamos o acesso universal aos anti-retrovirais, tais preços são estão fora de cogitação. É preciso não apenas fazer uso regular da licença compulsória como também pensarem mecanismos alternativos para que as doenças que afetam principalmente os países em desenvolvimento possam receber a atenção adequada.

O IGWG é uma oportunidade ímpar, e se a nova diretora da OMS priorizar este processo dentro da organização, com a criatividade tanto dos países como das indústrias farmacêuticas e das Organizações Não-Governamentais envolvidas, podemos pensar que uma mudança de paradigma possa acontecer nos próximos anos. Enquanto isso, milhares de pessoas perderão suas vidas, todos os dias, por não ter acesso aos medicamentos que poderiam salvá-las.

OPINIÃO

Por Michel Lotrowska
Michel Lotrowska é economista e mestre em saúde pública. Integra a organização Médicos sem Fronteiras e é representante da Campanha Acesso a Medicamentos no Brasil.
Fonte: publicado no Jornal Folha de São Paulo

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