sábado, 13 de junho de 2009

Leishvacin

Com uma estatística tão alarmante, não dá para acreditar que em Minas Gerais, mais especificamente no Laboratório de Parasitologia da UFMG, existe uma vacina contra a leishmaniose desde 1970. A chamada Leishvacin é, hoje, produzida pela Bioquímica do Brasil S/A ­ Biobrás ­ somente para a realização de ensaios clínicos. A produção em escala comercial ainda é um sonho. Segundo o Diretor de Desenvolvimento Tecnológico da Biobrás, Luciano Vilela, falta a liberação do registro pelo Ministério da Saúde.

Com o apoio da FAPEMIG, o professor da Universidade Federal de Minas Gerais ­ UFMG ­, Wilson Mayrink, coordenou um projeto de pesquisa que resultou no aperfeiçoamento e produção industrial da Leishvacin, única vacina contra protozoário existente no mundo. Mesmo com a qualidade reconhecida pela Organização Mundial da Saúde ­ OMS ­ e pelo Ministério da Saúde, a vacina anti-leishmaniose que, em 1999, recebeu o Prêmio de Inovação Tecnológica do Sebrae/MG, não é produzida em escala comercial. “Já realizamos todos os testes ­ inocuidade, antigenecidade, imunogenecidade, fase I, fase II, proteção com a pentavalente ­, mas sempre encontram um motivo para continuarem comprando o antimônio da Rhodia”, declara indignado o prof. Mayrink.

Em 1991, a Biobrás S/A passou a ser a empresa responsável pela produção da vacina sob as condições G.M.P. (Good Manufaturing Pratices), que comercialmente nunca foi feita. “O meio de campo do Ministério é difícil de atravessar”, reclama o prof. Mayrink, que, mesmo desiludido com a falta de ação governamental no país, continua trabalhando para a disponibilização da Leishvacin no mercado. Enquanto isso, a cada ano, 12 milhões de pessoas contraem a leishmaniose no Brasil e no mundo. Países do Extremo Oriente, como o Irã e o Iraque, aproveitam-se da tecnologia desenvolvida e publicada pelo prof. Mayrink e colocam em prática a descoberta brasileira.

Leishvacin

A diversidade sobre a epidemiologia das diferentes formas de leishmanioses faz com que seu controle seja impossível utilizando estratégias comuns. Na era da biotecnologia, métodos artesanais são utilizados para amenizar a propagação da leishmaniose. Os mais comuns são a dedetização das áreas de risco, o uso de mosquiteiros impregnados de inseticidas e a aplicação de repelentes sobre a pele. Sacrificar cães doentes também faz parte do controle da doença, mas essa é uma tarefa difícil. “Não sabia que o cão tinha um papel tão importante na família”, declara o prof. Mayrink. Quando é comprovada a leishmaniose num “cão de família”, os donos o escondem do agente de saúde para que o cão não seja morto.

A única forma de tratamento no homem é por meio de aplicações de antimônio. Em 1912, o pesquisador Gaspar Viana incorporou o tártaro hermético ou antimonial ao tratamento da leishmaniose, que até então era empírico. O medicamento foi sendo aperfeiçoado até chegar ao antimônio pentavalente, comercializado no Brasil, pela Rhodia, com o nome de Glucantime. Apesar do medicamento ser custeado pelo Ministério da Saúde, muitas vezes não há ampolas suficientes nos hospitais e postos de saúde. Segundo o professor, a distribuição do Glucantime não leva em consideração a ocorrência da leishmaniose em cada região. “O Paraná não tem leishmaniose e recebe a mesma quantidade de antimônio que o estados do Norte e Nordeste, que sã

O cientista Wilson Mayrink sonha com a produção da vacina em escala industrial
Wilson Mayrink, professor do Departamento de Parasitologia da Universidade Federal de Minas Gerais ­ UFMG ­ organizou em 1963 o Laboratório de Leishmanioses da universidade. Em parceria com o médico baiano Paulo Magalhães, da Sucam, hoje Fundação Nacional da Saúde ­ Funasa ­, iniciou uma série de projetos sobre o diagnóstico, tratamento e controle da leishmaniose visceral humana no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais.

Entre 1965 e 1971, os pesquisadores trataram de 360 casos de calazar em Caratinga. Além do tratamento dos doentes, cerca de 180 mil cães foram examinados. Estavam contaminados e foram sacrificados 7% dos cães. Para evitar a propagação da doença ainda foi feita a dedetização dentro e nas proximidades das casas. E o mais importante: rigorosa vigilância epidemiológica daquela época em diante. O aparecimento de qualquer caso humano ou canino implicava a repetição rigorosa das medidas.

Seis anos depois, a leishmaniose visceral, ou calazar, já estava sob controle naquele município. Segundo o prof., o que aumentava o número de casos era a ignorância dos médicos e o descaso das autoridades. Mas Caratinga é uma região endêmica também para leishmaniose mucocutânea, e os professores resolveram então, dedicar-se ao outro tipo da doença. Em 1988, Paulo Magalhães deixou a Funasa, e o prof. Mayrink, com o apoio daquela instituição, da Prefeitura de Caratinga e do seu eterno braço direito, Jair de Paula, assumiu o serviço. Técnico da Funasa, Jair acompanha há 40 anos o trabalho do prof. Mayrink. “Nós já combinamos, o dia que um parar, o outro pára também.” Cerca de oito mil casos de leishmaniose foram tratados pelo prof. Mayrink e o Jair, sem nenhum acidente. Juntos, eles ainda cuidam dos pacientes, usando a vacina produzida no laboratório da UFMG e medicamentos cedidos pela Funasa, Biobrás, Secretaria Municipal de Saúde, entre outras. Atendem de 15 a 60 novos casos por mês. Na última quarta-feira de cada mês, os doentes em tratamento são submetidos a uma revisão. Para o professor, apenas exames sofisticados não curam os doentes. “A medicina de hoje não dá valor à profissão, como a medicina de antigamente.” Sempre da zona rural e sem recursos financeiros, os pacientes viajam mais de 200 km até o ambulatório. Algumas vezes, a equipe do prof. Mayrink precisa pagar as despesas do doente.

Em busca do registro

Apesar dos extraordinários resultados obtidos com a vacina polivalente ­ produzida pelo prof. Mayrink no laboratório da UFMG ­ algumas questões foram levantadas sobre a sua composição e caracterização. Duas reuniões científicas foram organizadas para analisar o assunto. A primeira, realizada em fevereiro de 1991, em Washington, com a participação da Pan-American Health Organization e a UNDP /World Bank/WHO Special Programe for Research and Training in Tropical Diseases (TDR) e a segunda, sete meses depois, em Belo Horizonte, foi organizada pelo TDR/WHO e pela Biobrás, que estava interessada em produzir a vacina. A produção da vacina pentavalente foi descartada e a opção passou a ser a produção da vacina monovalente. Técnicos da OMS visitaram as instalações da Biobrás, que passou a ser responsável pela produção da Leishvacin. Além de alterar a composição da vacina, foi exigido que os ensaios clínicos fossem repetidos ­ agora com as vacinas produzidas pela Biobrás ­ em conjunto com outras instituições, como a Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro. “A vacina polivalente não existe mais sob o ponto de vista comercial. Ela é mais difícil de fazer e de controlar”, acrescenta o diretor da Biobrás, Luciano Vilela.

Vilela explica que a vacina monovalente tem duas possibilidades de uso: preventiva ou terapêutica (cura). Os testes da vacina terapêutica já foram concluídos e apresentaram excelentes resultados. Em outubro de 1999, a Biobrás solicitou o registro daquela vacina, que ainda está sendo analisado pelo Ministério da Saúde. Quanto à vacina preventiva, o registro somente poderá ser solicitado quando todos os testes forem concluídos

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